Quarta Ficção

Todos os finais de tarde ia passear o cão. Muitas vezes o passeio serviu de pretexto para fugir às discussões dos pais, entre eles, com ele. Repetitivas, sobretudo cansativas. Percebia-se o quanto se adoravam e o quanto viviam em mundos opostos. "Comigo não vai ser assim, nunca vou discutir à frente dos meus filhos", pensava ele, do alto dos seus 25 anos. A juventude pulsava-lhe nas veias. Tudo nele era uma barragem. Sempre prestes a acontecer, prestes a explodir, prestes a apaixonar-se perdidamente, para sempre, como sempre parece. Mas ainda não. O rio principiava a desaguar, gota a gota.

Naquele dia o passeio estendeu-se pelo parque, pelas traseiras da igreja.

Ela tirava fotografias. Não para viver. Aquele era um escape de muitos fins-de-semana e dias (in)úteis. Neste dia, depois de muito meses só, tinha reencontrado aquele que parecia ter sido o amor da sua vida. E não tinha sentido nada. Estava incomodada com aquilo, queria escapar de si. Não ultrapassar um amor perdido pode ser tão estranho como ultrapassá-lo, de repente.

Naquele dia as fotografias registavam o parque, as traseiras da igreja.

"tudo tão verdinho e fresco", pensava ela, no momento em que o labrador se aproximou de si, meigo e vivaço. O dono, mais longe, vigiava o encontro, olhos postos no chão quando ela olhava, olhos postos nela quando ela não via. É sempre assim? Não. Fitaram-se. Podemos escrever a palavra TESÃO. Porque aquilo que os despertou não foi apenas amor (nunca é apenas amor). Corpo com corpo, ainda na mente, o sexo começa bem antes de as roupas voarem.

Há finais de tarde assim. Falaram um pouco, nada soou estranho, se soasse não esqueceriam, sendo assim não esqueceram também. Pegaram nos telemóveis.

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