- elas arranjam-me sempre coisas para fazer, agora temos de levar almoço amanhã, não tenho tempo
- mas vamos todos levar coisas, estamos todos no mesmo barco
- ah mas eu não tenho tempo e ainda tenho os gatos para dar de comer, o trânsito de manhã
- pois, claro
- achas que leve a salada em separado? é que tudo junto fica melada
- não te preocupes, é jantar de grupo, é mais para estarmos no relax
- ah mas a salada fica uma porcaria se for feita hoje
- então faz de manhã
- não tenho tempo
- pois
- ficas aqui?
- sim, até amanhã, obrigada
- de nada, até amanhã. sempre que precisares, diz
- obrigada
- tchau
- tchau

No metro um homem bastante gordo e trémulo lê em voz baixa um livro "como combater eficazmente o stress em apenas uma semana". Ao lado, um rapaz muito bonito olha para as minhas botas muito sujas de pó, levanta-se e sai na estação antes da minha. À minha frente três amigas conversam e riem de histórias

- a única multa que apanhei até hoje foi no metro e o homem disse "se pagar agora tem 10% de desconto", achei engraçado, fartei-me de rir

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Saio e em 4 minutos estou no bus para casa, olho para os outros, só me apetece olhar para os outros e continuar esta viagem interior que começou há tantos anos, observar, muitas vezes sem me conseguir conter quando via injustiças, ficava sem dormir ("devia ter dito isto e aquilo"), e ainda choro, por vezes, quando oiço alguém dizer palavras feias como "panasca", "gaja que anda com todos", palavras que dizem sobre pessoas que não conheço mas que parecem pertencer-me, fico intrigada, hoje e amanhã também, como se pode odiar alguém que nunca nos fez mal, como se pode odiar, insultar sem motivo, porque alguém é diferente de nós, se todos somos diferentes de nós, não entendo e tento dar descanso à alma, ligo o mp3, fones nos ouvidos, apetecia-me ir de bus até à baixa, mas depois ficava longe, longe de casa, o melhor local do mundo, onde há todo o amor que pedi e conquistei.

Casa casa casa.

Estou em casa.