30.10.07

Sexta ficção

Pressentindo o choro do filho, Mariana dá um salto na cama. Assim acontece há 6 dias, desde que este nasceu, de um parto natural presenciado apenas pelos protagonistas e duas enfermeiras parteiras. O pai, António, tinha medo de desmaiar. Não queria atrapalhar.
Ao longo de nove meses de uma gravidez que significa o mundo para Mariana, seu sonho de sempre, muita coisa correu menos bem no exterior daquela barriga sempre proeminente, afagada, lisinha e confirmadora da beleza de mãe e filho.
ELA - Apetecia-me mesmo um chocolate.
ELE - Hum.
ELA - Achas que é muito tarde para irmos ali à bomba de gasolina comprar um?
ELE - Podemos ir, mas não podes comer qualquer coisa que haja aqui em casa? - o comando, na mão, a tv, sempre tão importante no durante e após o jantar.
Mariana sobe as escadas, a custo. Sente uma pontada ao respirar, doem-lhe as costas, está 24 horas por dia com azia. Deita-se na cama e coloca o leitor de cd's ligado encostado ao ventre, enquanto o amacia com as palmas das duas mãos. "O bebé vai nascer careca de tanto mexeres na barriga". Sorri ao lembrar-se de todas as coisas que o senso comum foi debitando sobre si, sem que perguntasse. Subitamente são as lágrimas que se misturam com tudo o resto. As saudades dos amigos, dos pais, os quilómetros de distância. "Tu és demasiado ligada aos teus pais, tens de te libertar disso, aqui tens tudo o que precisas, tu é que achas que não.".
Quantas vezes se censurou por rebentar em lágrimas e gritos. Por não conseguir deixar de sentir aquele aperto no coração, aquela angústia. "A culpa é minha, a culpa é tua.". Porque não dos dois?
António sobe as escadas.
ELE- Estás a chorar outra vez? A sério, eu já nem sei mais o que te dizer. Porque não te vais mesmo embora?
Estas memórias, de há meses, do dia de ontem, do momento presente, repetidas na realidade até à exaustão de ambos, invandem-na. Invadi-lo-ão também, com toda a certeza, mas é de Mariana que nos ocupamos, aqui e agora. Mariana alimenta o seu filho de duas em duas horas, a despeito das dores fortes no peito. Mariana quase não dorme, não pensa em descanso, não pensa sequer nos termos aqui descritos. Mariana lava peças de roupa e mantas do bebé debruçada na banheira, estende-as ao Sol. Acha tudo normal. Mas Mariana conhece outra vida, apenas o destino ainda lha não colocou nas mãos. Não a vida, mas a oportunidade.
Até então, Mariana sofre e alegra-se (com a sua vida renovada num ser humano pequenino que nada sabe do mundo e tudo parece abarcar). Não compreenderá nunca como se pretende que uma mulher num pós-parto faça tanta coisa e ainda tenha de ser agradável com os outros. Parabéns às que conseguiram. Mariana, essa, mãe exemplar, tem demasiadas fraquezas e defeitos. Graças aos céus. Um dia, levanta-se da cama e decide romper com os erros redundantes de uma vida que escolheu mas que não conseguiu conduzir da melhor forma.


2 comentários:

shark disse...

Mariana é um nome muito bonito.
E tu escreves bem.

mariana, a miserável disse...

mariana é um nome lindo
=)
é o meu